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Poetisa Gabriela Mistral (1889 - 1957) |
Por Thais Matarazzo
Esta era uma rosa
de orvalho repleta
assim também sou
com meu filho ao peito.
(Orvalho)
Meu encanto primeiro pela POESIA deu-se
com os poemas de Gabriela Mistral publicados no livro Poesias escolhidas, tradução de Henrique Lisboa.
Foi meu pai quem me deu o volume, já usado. Eu devia ter 6 ou 7 anos e
me recordo de folhear a obra, já com as folhas amareladas, e me extasiar pelos versos
lidos. É o impacto da descoberta mágica do novo, do belo, da literatura - bendito
aroma da vida!
Logo, dois poemas me chamaram a atenção Orvalho e Hino à Árvore,
que tratei de memorizar e depois me colocava a recitar.
Árvore que onde se levante
teu corpo cheio de vigor
assumes invariavelmente
o mesmo gesto protetor;
Faze que ao longo dos estágios
da vida, no prazer, na dor,
minha alma assuma um invariado
e universal gesto de amor.
(Hino à Árvore)
Passei a olhar as árvores com outros
olhos: analisava a sua copa, seu tronco, seu tamanho... Foi, talvez, uma das
primeiras lições de amor ao próximo que aprendi. A árvore sempre lá parada
resistindo às intemperes, oferecendo sombra, frutos, flores, folhas, raízes e
tudo o que se faz necessário para os seres vivos. Oferta tudo gratuitamente,
num gesto de fraternidade. E passei a abraçar as árvores e sentir a sua energia
tão aconchegante e revigorante.
Eu me tomei de amores pelo livro e
costumava abraçá-lo, parece que eu sentia mais forte no peito.
Eu não conseguia alcançar o sentido
metafórico da maior parte dos poemas mistralianos, envolto de misticismo e citações
de personagens históricos e bíblicos - isso só vim assimilar mais tarde -, entretanto
achava-os bonitos. Em diversos poemas são citadas as rodas, que criança nunca
brincou de roda?
O céu de dezembro é puro,
há um manancial divino;
e a relva trêmula chama
a fazer roda na colina.
(A Margarida)
Senti logo o tom triste da produção
mistraliana, perguntei
à minha avó porque na POESIA só não existe alegria, ela me respondeu que a vida
é composta também de sofrimentos, um dia eu entenderia e experimentaria situações
de amargura. Na introdução de Poesias
escolhidas há
uma apresentação sobre a poetisa chilena, o texto nos informa que ela havia
sofrido a perda de pessoas muito queridos, algumas traumáticas, por isso seus
versos eram tão soturnos.
— Estrela, estou
triste.
Diz-me se outra alma
qual a minha existe.
— Há outra mais
triste.
(Balada da
Estrela)
Mistral foi também professora e nutria um grande carinho pelas
crianças, a sua arte de ensinar era calcada na didática do amor e valorização do
saber, escola, do ensino, dos mestres e dos alunos! Essa transmissão de
conhecimentos, recheadas de carinho e incentivos, eu recebi das duas
professoras que me alfabetizaram: Elvira e Maria Teresa.
De mãos unidas às nossas,
todos eram, já não são:
o conto do mundo morre
quando morre o narrador.
(Ronda das
Cores)
Os poemas de Gabriela semearam na minha alma e imaginação: horizontes, sonhos,
fascínios, curiosidade e a vontade de querer mais: passei a ler outros livros
de poesia, aqueles que achei na estante de casa. E a minha próxima paixão
despertada instantaneamente foram os poemas de Mário Quintana.
Em cima do meu telhado,
Pirulin lulin lulin,
Um anjo, todo molhado,
Soluça no seu flautim.
(Canção da
garoa, Mário Quintana)
Com os poemas também aprendi sobre
folclore, temas camponeses, cultura popular, geografia, história entre outras
coisas. Ingredientes tão importantes para o meu despertar literário, e que no
futuro, sem saber, todos esses conteúdos estavam fermentando e crescendo no meu
intelecto e contribuiriam de maneira imensa para a escritora que estava por
vir.
No mundo agora o suspiro,
o sopro se pode escutar.
E a cada estribilho as cirandas
se aproximam um pouco mais.
(Ronda da Paz)
Obrigada, Gabriela Mistral! Poeta,
educadora e diplomata chilena receba a minha gratidão por ter transmitido e
partilhado com essa leitora infantil o encanto da POESIA, substância essencial
do nosso sobreviver.
Thaís, primeiro agradeço por dividir conosco a sua experiência de leitura na infância. O quanto Gabriela Mistral corroborou com o seu processo de formação de uma leitora ávida. Tornou-se quem és, ou seja, uma pessoa que anda pelos vários caminhos das letras, onde a Palavra fez se o Verbo! Gabriela Mistral, chamou a minha atenção pela biografia, uma história de vida dedicada a educação das crianças. Isto até hoje é um desafio na america latina e també de maneira geral aos pobres do mundo inteiro .Eu cá, venho degustando em gota cada verso desta poetisa que me provoca certa inquietude como: "Pezinho de menino, de frio, azulados. Quem os vê e não os cobre..." , neste outro verso "Quando se a apaga o fogo, perder-se o mel". Penso que a inquietude é algo bom, pois provoca em nós uma necessidade de fazer algo . Devemos nos mover, porém em qual direção? A beleza está aí...Temos que fazer as escolhas e algo para sossegar a nossa inquietação...Mas, em outro verso virá outra inquietação...É circulo vicioso e poético que nos chamam para vida e dar sentido a nossa existência!
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